sábado, 31 de julho de 2010

O «subvivente»

“O eng. Sócrates considera demonstrado que não houve irregularidades no licenciamento ambiental do Freeport. Eu considero curiosa a forma como um instituto subsidiário do Ministério do Ambiente por ele chefiado recusou, em 1999 ou 2000, a construção de um cemitério municipal na zona que acabaria arrasada pelo outlet, dado que a construção "contrariava o espírito" (embora favorecesse os espíritos) da zona e "provocaria o aumento da densidade humana". O eng. Sócrates declara que as conclusões da Procuradoria-Geral no processo Freeport provam a "enormidade das calúnias" lançadas sobre a sua pessoa. Ou, digo eu, a razoabilidade das acusações lançadas sobre a Procuradoria-Geral, a qual, segundo os jornais, obstou a que os procuradores do Ministério Público sequer interrogassem o eng. Sócrates. O eng. Sócrates acha "extraordinário que ainda haja quem pretenda ver" na declaração dele "um exercício de vitimização artificial". Eu não acho. O eng. Sócrates espera que esta seja a última vez que fala no assunto. Embora sem convicção, eu também. Não é por o eng. Sócrates aguentar as sucessivas "cabalas" que teimam em manchar o seu excelentíssimo nome que se explica a respectiva sobrevivência política. Pelo contrário, ele sobrevive justamente à custa das "cabalas", cuja curiosa inconsequência judicial alimenta a aura de perseguido que tão bem explora. Da Independente ao Freeport, com passagem pela Cova da Beira, pelo apartamento lisboeta e pelos projectos da Guarda, a história dos mandatos do eng. Sócrates resume-se à história das trapalhadas que o perseguem. Infelizmente, as trapalhadas prejudicam a contemplação do resto, e o resto é a prodigiosa inaptidão do senhor primeiro-ministro para o cargo que ocupa. Sem as insinuações do Freeport e imbróglios afins e sem a "vitimização artificial" que se lhes seguiu, seriam flagrantes o desgraçado saldo político, económico e social destes cinco anos e meio e a horrífica factura deixada aos anos que virão. Assim, um número cada vez menor mas ainda significativo de cidadãos olha o eng. Sócrates e vê nele um resistente, o resistente à infâmia que finge ser e não o resistente à realidade que de facto é.”
Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias de ontem

segunda-feira, 19 de julho de 2010

“- Foge cão que te fazem Barão! – Para onde, se me fazem Visconde?”

A propósito do programa “Novas Oportunidades” e do seu mais que previsível alargamento generalizado ao Ensino Superior, Universitário, Público (convém não esquecermos: as Escolas Superiores de Educação, a cirurgicamente extinta Universidade Independente, o Processo de Bolonha, etc., só para citar os casos mais óbvios) escrevia em tempos, no “Diário de Coimbra”, Rui Baptista, adaptando à circunstância Almeida Garrett: “- Foge gato que te dão o bacharelato! - Para que lado, se me fazem licenciado?” Acrescentando eu – É indiferente, pois no primeiro cruzamento oferecem-te o doutoramento!
Apache, Julho de 2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Taras e manias (3)

Ernâni Lopes, ex-ministro das finanças, acha que a solução para a crise que ele e os amigos ajudaram a forjar, passa por reduzir em 15 a 20% os ordenados da função pública. Esta é a mesma ave-rara que em 2005 defendeu a redução de um terço dos funcionários públicos, no 3º país com menos funcionários públicos da União Europeia. É curioso que pela cabecinha dos nossos actuais e antigos dirigentes políticos, a redução da despesa não passe por cortar nos brinquedos caros (e absolutamente desnecessários) dos governantes, como o TGV ou o Novo Aeroporto de Lisboa, não passe sequer por reduzir o número e os vencimentos obscenos dos “fraquinhos no discernimento” (Rui Pedro, Zeinal, Mexia e outros) que o Governo coloca à frente de empresas com capitais parcialmente públicos, sanguessugas maiores do regime. É igualmente curioso que não se lembre de reduzir as despesas do Estado fiscalizando quem parasita em torno dos subsídios sem deles ter efectiva necessidade; que não se lembrem de parar com os milhões esbanjados em fetiches como o Plano Tecnológico e as obras da Parque Escolar (em muitos casos, desnecessárias). É ainda curioso que (quase) ninguém se lembre de pôr fim aos subsídios escandalosos às energias (ditas) alternativas (como a solar, a eólica ou a maré-motriz) várias vezes mais caras que as energias convencionais e que sobrevivem apenas graças ao milhões que o Estado lá enterra. É em suma curioso que pela cabecinha dos sem-escrúpulos que nos conduziram à actual situação financeira não passe a redução do número de fogueiras de vaidades onde é imolado o dinheiro dos contribuintes, antes se perpetue a obsessão com os parcos vencimentos dos funcionários públicos. O povo costuma dizer que cada maluco tem a sua mania, mas as taras obsessivo-compulsivas e persecutórias de actuais e ex-governantes vem adquirindo contornos que cada vez se tornam menos suportáveis.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Do Exame Nacional de FQ A – 1ª Fase (2010)…

Realizou-se no passado dia 22 de Junho, a 1.ª fase do Exame Nacional do Ensino Secundário, de Física e Química A, sobre o qual a Sociedade Portuguesa de Química se pronunciou declarando que no seu entender, “a parte referente à Química (…) não apresenta erros científicos.” Será caso para perguntar: o que entendem por “erros científicos”? E já agora, tal declaração restringe-se ao enunciado ou é extensível aos critérios específicos de classificação, onde se encontram pérolas como esta: “Os CFC são compostos quimicamente estáveis na troposfera” [parte da resposta sugerida, à questão 5.5], ou esta: “O azul de bromotimol e a fenolftaleína são adequados à detecção do ponto de equivalência, uma vez que as zonas de viragem destes indicadores estão contidas no intervalo de valores de pH que corresponde àquela variação” [parte da resposta sugerida, à questão 6.2.2]. Entretanto, na passada sexta-feira, ficámos a conhecer os resultados, constatando-se a inexistência de novidades. A disciplina mantém-se como aquela que apresenta a média nacional mais baixa (tal como vem acontecendo desde que foram abolidos os Exames Nacionais de Física e de Química no 12.º ano), caindo este ano para os 8,1 valores (8,5 para alunos internos, por comparação com os 13 valores da média das classificações de frequência) e o maior índice de reprovações, que este ano foi de 25%. Neste aspecto, enquanto os conhecimentos e as competências dos alunos, a Português e a Matemática, forem tão reduzidos, não há facilitismo que o salve a Física e Química A.
Apache, Julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

A democracia que (não) temos

“O Expresso contou a história. Um tal Pedro Bento, 34 anos, foi nomeado em 2008 assessor do secretário de Estado das Obras Públicas e das Comunicações Paulo Campos, firme propagandista dos chips nas matrículas. Em 2009, o sr. Bento saltou para o cargo de administrador executivo da então recém-criada SIEV - Sistema de Identificação Electrónica de Veículos S.A., a entidade criada pelo Governo para gerir e, digamos, fiscalizar o processo de implantação de chips nas matrículas. Em 2010, o sr. Bento é o responsável em Portugal pela Q-Free ASA, a empresa norueguesa escolhida pelo Governo para vender por cá os chips das matrículas. Não sei onde o fulgurante sr. Bento estará em 2011. Sei que não estará na cadeia, dado que as consequências da revelação do seu percurso profissional foram zero. Antigamente, leia-se há seis meses, este tipo de notícias ainda produzia duas ou três semanas de indignação popular, o simulacro de um inquérito parlamentar ou a intenção de um processo judicial e, por fim, o esquecimento. Agora passa-se directamente para o esquecimento: a notícia aparece e, vinte minutos depois, já se viu jogada no arquivo morto da memória colectiva, nos dias que correm bastante mais atafulhado que o dos tribunais. O facto é que o povo desistiu de se maçar com as trapalhadas que envolvem, ou aparentam envolver, o eng. Sócrates e os vultos que o rodeiam. E faz bem. Na justiça, que o senhor procurador-geral considera das melhores da Europa, as trapalhadas invariavelmente dão em nada. Na política, invariavelmente dão em coisa nenhuma. A fase da indignação cria expectativas inúteis e constitui, em última instância, uma perda de tempo. A portentosa indiferença em curso é um sinal de maturidade democrática, naturalmente adaptada à democracia que temos.”
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias” do passado domingo (27 de Junho)