quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A higienista

“A ministra Assunção Cristas garante que a ideia de limitar por decreto o número de animais domésticos é apenas uma proposta que anda há sete anos a ser estudada "ao nível [o português é o da senhora] dos serviços do Ministério" da Agricultura [MA], processo no qual "têm sido ouvidas várias entidades, que têm dado contributos muito sérios".
Ou seja, o caso é ainda pior do que constou. Não vou perguntar o que se entende por "contributos muito sérios" num tema que tresanda a circo, mas uma coisa é uma governante com conhecidas inclinações socialistas abraçar tamanha enormidade. Outra coisa, bastante mais assustadora, é a enormidade ter nascido na cabeça de socialistas assumidos e entretido, durante quase dois mandatos, um sortido indeterminado de funcionários ministeriais, além de especialistas avulsos. Lidar com a demência de uma criatura é tarefa complicada; enfrentar a demência de um sistema é tarefa desumana.
Não vale a pena repetir que a quantidade de cães, gatos, hamsters e cágados que os cidadãos apascentam em casa é assunto que só aos próprios - e aos condomínios, a existirem - diz respeito. Talvez valha a pena pensar se, em prol da famosa higiene pública, as restrições não se deveriam aplicar justamente aos tiranos pequeninos que dedicam as vidas a regulamentar a vida do contribuinte que os patrocina. Apesar das reduções na última década, o MA, por exemplo, emprega seis mil indivíduos, cifra excessiva na medida em que a instituição serve exclusivamente para castigar as pessoas pelas decisões que lhes competem e premiá-las pelos fenómenos que lhes são alheios: abrigar três cachorros (ou promover uma campanha de descontos em supermercados) dá direito a multa, sofrer três meses de chuva suscita indemnização.
Para protagonizar esta comédia, a senhora ministra, sozinha, chegaria e sobraria. Sobraria porque li algures que a dra. Assunção possui quatro filhos, notoriamente um excesso se, ao contrário do que costuma suceder com os bichos, cada fedelho implicar berreiro nocturno (ou diurno), perturbação da ordem e meses a fio de licença de parto, subsidiada por todos nós. Mesmo imaginando que a estimável prole da dra. Assunção esteja isenta de tais desvarios, a lei é cega e geral. Qual lei? A que, um belo dia, outro tirano pequenino, inspirado por uma longa tradição de abusos, se lembrará de propor. Por enquanto, aqui fica o meu contributo muito sério. Se quiserem um contributo a brincar, financiem-me durante sete anos e aguardem."
Alberto Gonçalves, no “Diário de Notícias”

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