A apresentar mensagens correspondentes à consulta Zamora ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Zamora ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

“A Síndrome de Lisboa”

“Passei as férias a cinco minutos da fronteira espanhola, no cantinho superior direito da nossa ilustre nação. Acabadas as férias, tenciono continuar por cá. Não se está mal. Sobretudo está-se longe da monstruosidade em que se transformou Portugal, o Portugal urbano, litoral e que conta. Os custos da interioridade também trazem benefícios. Aqui, as pessoas são escassas e, por lucidez, cansaço, esquecimento ou confiança nas vacinas que as “autoridades” garantem não mudar nada, a maioria deixou de usar máscara. Já tenho entrado em estabelecimentos sem parecer um ladrão. O único bar nas proximidades fecha de madrugada, sem “distanciamento” nem lugares vagos. Isto parece normal, não parece Portugal.

De brinde, vive-se com um pé fora da pocilga, pronto para uma fuga definitiva e, por enquanto, para escapadelas provisórias. Combustível, compro em Espanha. Víveres nos supermercados, idem. Roupa, ibidem. Esplanadas para jantar fora nas noites mornas de Verão, há as de Zamora e Salamanca. Irrita-me um bocadinho que demasiados espanhóis ainda cumpram a recomendação do farrapo no nariz, mas não existem imposições e, ao contrário do que sucede em Lisboa ou no Porto, as vantagens sobrepõem-se largamente aos enxovalhos. Claro que ambos os países têm governos marxistas. Porém, o lado de lá possui tribunais e as regiões possuem a proverbial autonomia, pelo que Castela não prevê decretar “passes sanitários” ao bom velho estilo soviético.

Portugal ficou irrespirável. Quer dizer, irrespirável é o Nordeste, cujas temperaturas resolveram roçar os 40 graus nos últimos dias. Falo daquela respiração metafórica, própria dos lugares decentes. Hoje, Portugal não é decente. Nunca fui patriota, talvez por ser compatriota de muita gente que acho abominável. O que antes eu desconhecia é a desmesurada quantidade de gente abominável que partilha comigo a nacionalidade. A Covid ajudou à descoberta. A Covid não tem culpa, coitada: apenas serviu de pretexto para que um partido e um regime subordinado a um partido estendessem o controlo económico, social e mental a níveis que não pude, ou soube, prever.

De resto, o pior nem são os apetites totalitários de socialistas – perdoem a redundância – primários e corruptos. O pior é a docilidade com que o povo acolhe os apetites. Acolhe, aplaude e, não raramente, incentiva. Nos intervalos, denuncia os prevaricadores. Antes que me venham com equivalências ao “estrangeiro”, lembro por exemplo que o discurso de há um mês, em que Macron, o Pirolito, prometia o “apartheid” formal das pessoas não vacinadas ou que não ostentassem o “certificado” (não são sinónimos: sou vacinado e não quero certificado algum, que aliás jamais mostraria a estranhos) levou centenas de milhares a protestarem nas ruas. Os protestos têm sido recorrentes ao longo deste ano e meio na generalidade do Ocidente civilizado, mesmo que poucos Estados aplicassem tantas restrições, cometessem tantas ilegalidades e provocassem tantas misérias quanto o português. Perante isto, o português, o cidadão não o Estado, não deu um pio.

Deve ser uma insuficiência anatómica: o português não pia. Nos tempos que correm, nem sequer resmunga inconsequentemente como era tradição. Lembram-se? Confrontado com o buraco à porta de casa, por remendar há seis meses, o português ensaiava uns insultos para dirigir ao presidente da Junta. Seis minutos depois, cruzava-se com o dito autarca e agravava a hérnia com salamaleques. O buraco não surgia na conversa. Agora nem isso: o português salta directamente para o elogio do buraco. Em casos limites de subserviência, salta directamente para o buraco, a fim de provar a respectiva utilidade e os insuperáveis méritos do autarca.

Repito: o problema não é a Covid. É a reacção dos portugueses à avalanche ditatorial que a Covid suscitou. Desde o início desta história que o Governo ordenou as mais absurdas, contraditórias e humilhantes coisas para, dizem, “combater” a Covid. O português acatou todas. E só protesta quando as julga insuficientes. O desagrado dos nativos não é com a trela curta: é com a trela não ser curta o bastante. Poderíamos explicar este comportamento com o medo do vírus, que inclina os homens (e as senhoras) para a irracionalidade. A explicação seria fraquinha. A obediência cega não se nota exclusivamente nas matérias da saúde. O drama nacional não é a hipocondria. É a aversão à liberdade.

Numa curiosa adaptação colectiva da Síndrome de Estocolmo, o pavor de serem livres é o que justifica a patológica simpatia dos portugueses pelas quadrilhas que os oprimem. Não admira que livres sejam as quadrilhas. Livres de encarcerar os portugueses, livres de os arruinar, livres de os gozar, livres de os roubar, livres de os atropelar em sentido figurado e literal. Salvo excepções, o pessoal gosta. Salvo excepções, eu não gosto do pessoal. Não gosto e não percebo. Da vacinação de crianças contra uma doença de que não padecem à crença de que a vacina não permite eliminar nenhuma das “medidas” alucinadas em vigor, actualmente quase tudo o que é português me é estranho.

Em suma, eis a razão porque permanecerei sem data de retorno neste pedaço de território remoto e esquecido: porque é a maneira logisticamente menos complicada de não me sentir parte do desfile de patologias a que Portugal desceu. É possível que a minha decisão não adiante muito e que, conforme afirmava uma personagem do folclore lisboeta, somente transmita uma falsa sensação de segurança. Ainda assim, sou capaz de preferir a segurança ilusória à repressão certa, a distância voluntária à proximidade de malucos, a vida ao medo.”

Alberto Gonçalves, no “Observador”

domingo, 7 de outubro de 2007

5 de Outubro

Na sequência das vitórias das tropas de D. Afonso I, sobre os exércitos de Fernão Peres de Trava e de Rodrigo Vela, na batalha de Cerneja, em 1136 e, do mesmo, no sangrento Torneio de Arcos de Valdevez, em 1140, onde saíram derrotados os cavaleiros de Leão; realizou-se em Outubro de 1143, em Zamora, sob o patrocínio do Arcebispo de Braga, D. João Peculiar, a Conferência de Paz, que ficaria conhecida pelo nome daquela (hoje) província espanhola.
É precisamente a 5 de Outubro de 1143, na presença do Cardeal Guido de Vico, que, D. Afonso VII, Rei de Leão e Castela e D. Afonso I (posteriormente conhecido por D. Afonso Henriques), assinam um tratado, onde o primeiro, reconhece a independência do Condado Portucalense (que passa a chamar-se Reino de Portugal) e D. Afonso Henriques, como seu (igual, e) legítimo Rei.
A independência de Portugal, viria a ser reconhecida pela “Santa Sé”, a 23 de Maio, de 1179, pela Bula “Manifestis Probatum”, do Papa Alexandre III.
Completaram-se anteontem, oficialmente, os 864 anos da Fundação da Nacionalidade.
Assim, a 5 de Outubro, enquanto o regime comemora a República, a nação (ou o que dela resta) comemora Portugal.
Apache, Outubro de 2007

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Um 5 de Outubro “diferente”


Comemorou-se no passado sábado o octingentésimo septuagésimo (870.º) aniversário da assinatura do Tratado de Zamora que “oficializou” a independência de Portugal. Cento e três anos depois do “braço armado” da maçonaria (a carbonária) ter imposto, à revelia da vontade popular, o actual regime, os políticos e o povo em geral devotaram à comemoração da segunda data o mesmo desprezo que no último século lhes mereceu a primeira.

Sobre o tema, deixo um texto de Vasco Pulido Valente, cujas crónicas constituem um dos poucos motivos válidos para insistir na leitura de um dos pasquins do regime, o jornal Público.

“Este é o primeiro ou segundo ano em que não se comemora o "5 de Outubro". Mas nunca a "estranha" queda da Monarquia foi tão importante para compreender a política portuguesa. A origem dessa queda começou na degradação dos partidos do regime (o Partido Regenerador e o Partido Progressista), que pouco a pouco se dividiram em quadrilhas (cada uma com seu chefe ou "marechal") e se combateram ferozmente com a prestante ajuda dos revolucionários republicanos. A história começou com o vexame diplomático do "Ultimato Inglês", continuou com sucessivas crises financeiras de 1890 a 1902, para acabar no assassinato de D. Carlos em 1908 e no caos que ele necessariamente provocou. Durante vinte anos, nem os regeneradores, nem os progressistas se conseguiram entender para fortalecer a Monarquia de que, afinal de contas, a sua própria sobrevivência dependia.
Desde o princípio (1890-1891) explodiram querelas no Partido Regenerador entre os três candidatos que persistentemente se acusavam e caluniavam para chegar à chefia absoluta, que, supunham eles, lhes garantia um poder quase ilimitado sobre o país: João Franco, Hintze Ribeiro e Júlio de Vilhena. Mas, depois da morte do rei, apareceram outros. João Franco chegou mesmo a uma cisão definitiva, criando o Partido Regenerador-Liberal, a que a “inteligência” portuguesa aderiu entusiasticamente. Um pouco mais tarde, José Maria Alpoim também se resolveu separar do Partido Progressista e fundou a “Dissidência Progressista”, famosa pela sua radical falta de escrúpulos.
D. Carlos, que percebia os perigos da situação, ainda tentou reorganizar o sistema partidário, com a ajuda de Franco e dos regeneradores-liberais. Infelizmente, era tarde para um exercício tão profundo e duro. Ele foi mesmo morto no Terreiro do Paço e Franco exilado. O desprezo que os portugueses tinham pela política, e muito particularmente pelos partidos, fez com que não mexessem um dedo para pôr alguma ordem e seriedade na política e, no “5 de Outubro”, para defender o regime da insurreição republicana. Basta dizer que no exílio (e tirando meia dúzia de obstinados) nem o rei D. Manuel queria voltar para Portugal. Embora odiassem a república, a classe média e grande parte da população não a tencionavam trocar por um regresso à vida velha; e até se divertiam a observar a humildade dos seus depenados senhores.”
Apache, Outubro de 2013